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"EU ERA ASSIM..." FINADOS, DIA DE ENTENDER A VIDA

Na crônica da semana Hélio Consolaro reflete sobre o quanto lidar bem com a morte, sem neura, ajuda

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Terça-feira, Dia de Finados, é o dia para se lembrar do corpo. A gente até reza para a alma, acende velas, mas é o dia de recordar a configuração de nossos parentes.

 

Os pobres enterrados se reduzem a um número, o da cova, mas os quem têm recursos mostram a sua riqueza no jeito que enterraram a família: fotos nos túmulos, outros construíram mausoléus.

 

A fotografia mostra: “eu era assim”. No túmulo de meus pais, há um antepassado que não sei quem é. Faleceu em 1941, eu não era nascido, há até foto na lápide, mas faz parte da árvore genealógica. Dela, só há foto e placa. Nada mais.

 

Há túmulos que são verdadeiros cortiços, parece que há defunto empilhado. Percebe-se isso pelo número de placas. Na verdade, os cadáveres são tão antigos que não há mais nada enterrado, viraram apenas placas e fotos. Memória familiar.

 

Há profissionais que ganham dinheiro com o defunto. Atividade digna. Temos funerárias, fábricas de caixões, floristas, mas já que o Dia de Finados é uma data para se reverenciar o corpo, ou seja, rezar de corpo presente (ou apenas foto), é bom lembrar que não basta enterrar, precisa maquiar o cadáver (necromaquiagem), deixá-lo apresentável para o velório, chama-se tanatopraxia. Não se trata de embalsamar, é um preparo para que não feda antes do tempo. Um falecido da periferia não vai se submeter a tais procedimentos, a família tem grana para gastar nisso.

 

Quando o sujeito é assassinado, acidentado ou precisa descobrir a causa mortis, se faz a autópsia (ou necropsia) no Instituto Médico Legal. Lá abre-se até defunto já enterrado.

 

Tenho uma vizinha que é atendente de necrotério do IML de Araçatuba, a prestativa Roseli. Perguntei-lhe como reage diante de tanta desgraça. E ela me respondeu que a morbidez é o seu fraco, pois já trabalhou na Associação Ritinha Prates e na Santa Casa. Aí fez concurso para o IML e está para se aposentar.

 

Muitos estudantes de medicina abandonaram o curso quando tiveram que mexer no primeiro cadáver. O corpo é a nossa última

 

Instância, embora não seja assim o pensamento dos transcendentalistas.

 

Há gente com tanto medo da morte que nem vai passear no campo santo em Dia de Finados, encontrar parentes e amigos. Lidar bem com a morte, sem neura, é entender a vida.

 

Enquanto você, caro leitor, não entender a morte e aceitá-la; na vida, está sendo apenas um sonâmbulo.

   

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.


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