O reino animal estava “à flor do pelo”. As eleições se aproximavam e a polarização política estava acirrada como nunca dantes. O Jacaré conversava num sofisticado restaurante com o Galo, ambos abastados, dando opiniões sobre o atual governo, a quem apoiavam, sendo simpatizantes do Ornitorrinco, chefe do Poder Executivo. Este se rotulava um conservador: defendia a “família tradicional”, dizia-se alinhado com Deus e defensor da propriedade privada.
Já a candidata de oposição, a Raposa – que se dizia honesta à toda prova - era criticada com veemência por ambos.
Jacaré, dizia ao interlocutor: - A Raposa, por ser progressista, é uma ameaça à família, aos cofres públicos e ao patrimônio privado! É uma ladra! Logo, não pode ganhar essa eleição!
Respondeu-lhe, o Galo: - Exatamente, amigo, sempre foi assim; a oposição quer acabar com a propriedade privada, rouba dos cofres públicos e cria programas assistencialistas para fins eleitorais ...
Do outro lado da cidade, na periferia, num boteco de paredes avermelhadas, dialogavam, o Gambá e o Lagarto. O assunto, como sempre, era política.
O Gambá dizia-se cansado do governo do Ornitorrinco, tido como adepto ao nepotismo e às “rachadinhas”, além de outras mazelas.
Dizia o Gambá, indignado, ao amigo Lagarto: - O povo está “jogado às traças”; esse governo é elitista, preconceituoso e só aumentou a desigualdade social! A sociedade está sob caos, em especial a periferia!
Lagarto concordou com aquele, emendando: - Tem toda razão, amigo! Esse governo só deixa os ricos mais ricos e privatiza estatais, enquanto os pobres ficam a cada dia mais miseráveis. Tributar os ricos, esse governo não quer ..., desabafou. No “Congresso Bichal”, o lema dos eleitos ao parlamento era, estrategicamente, fazer “Emendas Pix” secretas para correligionários e priorizar a promulgação de leis que atendessem aos seus interesses; o bem comum da massa bichal nunca entrava em pauta.
Nas vésperas das eleições, como sói acontecer, tudo estagnava, como se o tempo parasse e o mundo também ... Para piorar, o Ornitorrinco determinou a execução de gastos vultosos, por ser o último ano do seu mandato, visando a reeleição, enquanto a oposição promoveu várias denúncias contra ele, perante a “Suprema Corte Bichal”, esta, consigne-se, com baixíssima credibilidade à época.
Além de tudo isso, para afundar a economia do reino, bilhões foram destinados pelo governo, em conjunto com o parlamento, para bancar as próximas eleições às custas da sofrida sociedade.
Enfim, a realidade da grande massa dos bichos era de instabilidade social, econômica, política e jurídica. Mas, eis que, do “nada”, surgiu o inusitado: a esperança do reino animal foi direcionada a um novo candidato, tido como de “centro” - que poderia dar fim à polarização -, que se dizia “Salvador dos Bichos”, um tal “Cágado”.
Nas promessas de campanha, este novel candidato garantia respostas rápidas (contrariando sua própria natureza), moralizantes e eficazes para a resolução de todos os problemas do reino. E os bichos governados, mais uma vez, acreditaram ... falar-se em “efeito manada”, nesse contexto, seria pleonasmo, por ser uma sociedade de animais.
No mundo dos bichos, talvez, poder-se-ia denominar esse fenômeno de “efeito humanada” (inspirado em humanos), ou seja, uma espécie de síndrome de inconsciência (ou ignorância) coletiva por adesão.
Diz a história animal, que depois de acirrada campanha eleitoral entre os candidatos, Ornitorrinco, Raposa e Cágado, este venceu as eleições, no primeiro turno; vitória massacrante, diga-se de passagem. Deu-se, porém, que no segundo ano de mandato, Cágado, então intitulado “Salvador”, foi cassado pelo parlamento, sob a acusação de corrupção.
“Moral da história”: a esperança de mudança, de busca pelo bem comum, e de despolarização, ainda que depositada num Cágado, é a última que morre ...
Adelmo Pinho é promotor de justiça em Araçatuba (SP), articulista, escritor e membro da Academia Araçatubense de Letras (ALL).
(Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação)


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